Freguesia de Marialva

RESENHA HISTÓRICA
Designada por Cividade dos Áravos (em latim: Civitas Aravorum) à época romana, terá sido reconstruída no tempo dos Imperadores Trajano e Adriano, tendo sido ponto de confluência e cruzamento de vias, entre as quais a via imperial da Guarda a Numão.
Os Godos instalaram-se na região alterando o nome para São Justo, sucedendo-lhes a ocupação árabe e o seu novo nome, Malva, reconquistada por D. Fernando Magno de Leão, em 1063, e novamente rebaptizada para Marialva. D. Afonso Henriques mandou-a repovoar, concedendo-lhe o primeiro foral em 1179. Conhece-se novo repovoamento durante o reinado de D. Sancho I, no século XIII, altura em que o povoado terá extravasado além muros, formando-se assim o Arrabalde. Durante o reinado de D. Dinis foi criada a Feira (1286) e recebe Foral Novo (1512) já em tempos de D. Manuel. Ambos procederam a obras no castelo.
Possivelmente devido à localização fronteiriça – e estimulada pela Feira, ao 15.º dia de cada mês, que concedia diversos privilégios aos moradores e feirantes – assistiu-se no século XII à fixação de judeus. Foi vila e sede de concelho entre 1157 e 1855. Era constituída pelas freguesias de Aldeia Rica, Barreira, Carvalhal, Coriscada, Gateira, Marialva (Santiago), Marialva (São Pedro), Pai Penela, Rabaçal e Vale de Ladrões. Tinha, em 1801, 2 919 habitantes.
Após as reformas administrativas do início do liberalismo foram-lhe anexadas as freguesias de Chãs e Santa Comba. Tinha, em 1849, 4 042 habitantes e ocupava uma superfície de 166 km².
Todavia, a degradação destas terras e a diminuição da sua importância começa a acentuar-se a partir do século XVIII, tendo vindo a ser extinto como concelho em 24-10-1855 e incorporado no concelho da Mêda em 1872.

HERÁLDICA
Escudo de prata, pano de muralha torreado de duas torres, de negro, lavrado, aberto e iluminado de ouro; em chefe, escudete de azul carregado de onze besantes de prata e cruz da Ordem de Cristo; em campanha, monte de verde, movente da ponta. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco, com a legenda a negro: «MARIALVA».

FESTAS E ROMARIAS
3º Domingo de Agosto – Nossa Senhora dos Remédios

Castelo de Marialva
Pelourinho
Câmara e Tribunal
Igreja de São Tiago
Igreja de São Pedro
Capela do Senhor dos Passos ou da Misericórdia
Capela de Nossa Senhora de Lurdes
Capela de Santa Bárbara
Capela da Senhora da Guia
Capela de Nossa senhora dos Remédios
Passos do Senhor ou Via Sacra
Rua da Corredoura
Troços de Calçada Romana
Cruzeiros
Alminhas
Lagares Rupestres
Sepulturas Escavadas na Rocha

Notas Históricas
Basta dizer “Marialva” e logo um mundo de evocações nos vem à lembrança. Os Túrdulos, os Lusitanos, os Romanos, os Suevos, os Visigodos, os Mouros e por fim os Cristãos da Europa, todos eles por aqui passaram e deixaram marcas indeléveis. Tanto assim que, em Marialva, cada uma das suas pedras é mais do que um livro aberto: é um testemunho precioso da sua história única.
Rezam as crónicas mais antigas que terá sido fundada pelos Túrdulos cerca de dois mil anos antes de Cristo. Os povos da Ibéria foram igualmente seus enamorados e por ela terçaram armas. Os lusitanos dela fizeram local de defesa e atalaia. E os romanos, que tinham a seu favor a força e a eficácia, reforçaram-na, alindaram-na, e dela colheram proveito. Para a defesa, para a agricultura, para o lazer, a Civitas Aravorum foi notável ponto de referência nas terras graníticas para lá do termo da Meseta. Para a defesa a cidadela, para morar a villa serena e para o lazer e proveito agrícola as belas terras da Devesa, onde uma excelente Naumáquia os deslumbrava e lhes ocupava os ócios.
Caída a glória de Roma, outros povos subiram e desceram as suas encostas graciosas e deram vida aos seus campos generosos. Com os Suevos cristianizados cada vez mais se foi marcando o caminho para Calábria, junto à foz da ribeira de Santa Maria de Aguiar; e com os Visigodos, uma vez convertidos, se foram depois construindo templos e mosteiros. Que os mouros, tudo invadindo, em nome de Alá, arrazaram e destruíram, numa reconversão religiosa, urbana e agrícola, semeando palavras e inovando métodos. Foram violentos algumas vezes, sobretudo com Almançor, mas, normalmente, adaptavam-se à gente local.
A beleza de uma ou outra moura terá deixado algum encantamento, e daí as mouras encantadas nas fontes, que choram noite e dia, se calhar com saudades de algum amor cristão. Nesse sentido poderia dizer-se que a lenda da Moura de Marialva é coeva da lenda do Mouro de Casteição, assim dizendo alguns terem ouvido nas madrugadas de S. João gritar dos lados de Casteição:

«Ó Moura, mourinha, de Marialva,
Cara bonita, pernas de galga!»

Ao que ela responde:

«Ó Mouro, mourão de Casteição,
Cara farrusca, pernas de cão!»

Fernando Magno, rei de Leão, herói da Reconquista, que por duas vezes libertou Marialva da Mourama, batizou-a com o nome de Malva ou Maria Alva, por certo em lembrança da Virgem Maria, em louvor da qual, junto a Leão, e em local semelhante a este, havia um templo paleocristão chamado Marialba, pelo qual o monarca nutria particular carinho.
“O culto Mariano é uma característica do séc. XI e XII. Evocar Santa Maria e perpetuar-lhe o nome em Maria Alba, ou Alba Plena ou a Pura Maria Santíssima (a ideia é a mesma) na reconquista de Aravorum, parece-nos coerente e legítimo, por parte do Rei de Leão (…)” – ( Prof. Dr. Adriano Vasco Rodrigues, in Terras da Meda, pág. 100.)
Maria Alva era, pois, um nome que louvava a Virgem, e esta seria a razão do nome cristão de Marialva, em desfavor de outra versão, de todo improvável, que nos conta que o rei D. Afonso II, o Gordo, teria dado esta terra a uma senhora chamada Maria Alva e daí nasceria o nome.
Segundo o citado Prof. Dr. Adriano Vasco Rodrigues (in Terras da Meda – Natureza e Cultura, pag. 88), “Quando Fernando Magno de Leão e os seus cavaleiros conquistaram Marialva, em 1063, a Civitas Aravorum vivera já o período germânico e sofrera a ocupação muçulmana, estando, portanto, muito arruinada na traça romana. Mas, seria ainda monumental com as suas torres do castrum, as ruas e casas baixas de influência luso-romana, as fontes singelas, os templos, a naumaquia, ou lago, as calçadas e a ponte. Talvez houvesse mesmo um teatro ou circo para as corridas. Hoje desconhecemo-lo. O repovoamento, as necessidades de restaurar e alargar a cintura defensiva, o próprio estilo de vida do homem medieval e a ignorância de todos os tempos, destruíram ou alteraram profundamente o que os romanos ali edificaram. Contudo, Marialva permanece um vasto campo arqueológico, pleno de surpresas. A remota ocupação daquela zona revela testemunhos do homem pré-histórico, do homem clássico, do medieval e do moderno. O tempo deteve-se em Marialva (…)”.
D. Afonso Henriques deu foral a Marialva em 1179, com o fim de a povoar e desenvolver, pois os mouros tê-la-ão deixado praticamente despovoada. Com idêntica política de povoamento, o rei D. Dinis criou, por provisão assinada em Coimbra em 4 de Novembro de 1286, a feira mensal de Marialva, na qual os feirantes beneficiavam de certos privilégios, como isenção de portagem e o direito da paz da feira, não podendo ser incomodados pelos credores, nem presos por crimes que ali não tivessem praticado. O seu dia maior é, neste aspecto, a Feira Anual em dia de Santiago, 25 de Julho. D. Manuel I deu-lhe foral novo em 14 de Setembro de 1512.
Em 1527 havia em Marialva 68 habitantes dentro da muralha e 73 no arrabalde; no século XVII as freguesia de Santiago e S. Pedro tinham 100 fogos e 400 almas no seu conjunto; em 1900 os fogos eram 181 e as almas 681. A freguesia de Marialva tinha 688 habitantes em 1920, 728 em 1940 e desde esse ano a 1981 perdeu 37% da sua população, pois só já tinha 457.
Em 1441 o Regente D. Pedro criou o Condado de Marialva, sendo 1º Conde de Marialva Vasco Fernandes Coutinho. O Marquesado foi instituído na pessoa de D. António Luís de Menezes, 3º Conde de Cantanhede, no século XVII. Este 1º Marquês de Marialva foi um herói nacional, tendo comandado um exército contra D. João de Áustria, general das tropas espanholas, na Guerra da Restauração, distinguindo-se na batalha do Ameixial e na libertação de Évora, em 1663.
Anda ligado ao toureio o nome de Marialva, por o 4º Marquês, D. Pedro Noronha Coutinho, ter sido, além de um ilustre militar, gentil-homem do rei D. José I e estribeiro-mor de D. Maria I. Era, além disso, um mestre da arte de cavalgar, a qual passou a ser conhecida como a “arte de Marialva”, e um distinto cavaleiro tauromáquico, muito popular e com ligações ao fado e à boémia, de tal modo que motivou posteriores criações artísticas, designadamente na literatura (com Rebelo da Silva, Júlio Dantas e Cardoso Pires). A Casa de Marialva, após o falecimento do 6º Marquês, D. Pedro Vito Coutinho Menezes, sem sucessão, foi extinta e incorporada na Casa de Lafões, por a duquesa de Lafões ser irmã do falecido Marquês.
Outro nome famoso anda ligado a Marialva, pois nesta histórica localidade nasceu Paulo Correia, que foi lente na Universidade de Alcalá – Espanha e foi tão grande mestre na Arte Médica que foi chamado a Roma para curar vários príncipes e prelados daquela Cúria, onde viveu vários anos e fez célebre o seu nome. (in João Bautista de Castro, Mappa de Portugal, vol. II, pag. 360, ed. 1763).
Marialva justifica plenamente que se lhe dedique um dia ou mais, para se ter uma ideia do que possui e de quanto vale. As muralhas do castelo, delimitando a cidadela, desde logo atraem as atenções, pois a sua configuração faz lembrar um barco, cuja proa é a torre de menagem. Ali podemos admirar, em impressionantes ruínas, o Paço do Alcaide, a Casa da Câmara, a Cadeia, a Cisterna e o Pelourinho. Junto à Torre de Menagem, a Igreja Matriz de Santiago e a Capela do Senhor dos Passos ou da Misericórdia. No espaço amuralhado podem ver-se os restos da igreja dos Templários ou de S. João, com um campanário com a cruz da Ordem do Templo e um portal gótico.
Na chamada “vila de Marialva” pontifica a Igreja Matriz de S. Pedro e, ao longo da Rua da Corredoura, a Casa do Conde, além de um interessante conjunto urbano medieval, com casas e ruas restauradas. Nichos das estações da Via Sacra vão ponteando os trajetos mais usados. Nota-se, em redor da Igreja de S. Pedro, que muitas alterações urbanas ali terão acontecido ao longo dos tempos, mormente por ocasião da ocupação árabe. A uma construção de conveniência terá sucedido a abertura ou a melhoria de algumas ruas de melhor serventia.
A “Devesa”, nome medieval que está relacionado com o direito aos gados pastarem em sítio reservado, é hoje o povoado mais florescente da freguesia, e nela podem encontrar-se, desde casas nossas contemporâneas, a restos de colunas, capitéis, inscrições, cerâmica e moedas, pois foi ali que se fixaram os romanos e ali terá sido a Civitas Aravorum, como o demonstra uma inscrição dedicada ao Imperador Adriano, descoberta no século XVII e atualmente no Museu da Guarda.
Em 1447 foi construído, a cerca de meia légua a ocidente da vila, o Convento de Vilares ou de Nossa Senhora dos Remédios, de frades terceiros franciscanos. A devoção de Nossa Senhora dos Remédios tem origem nas Cruzadas à Terra Santa e a imagem que se encontrava neste convento, de braços estendidos para o povo, atraía a devoção de muita gente, que ali afluía em peregrinação e penitência. Em 1615, Filipe III determinou que as Câmaras de Marialva, Mêda e Longroiva contribuíssem com 95 mil réis, durante três anos, para ali se fazerem obras. Uma vez extintas as Ordens Religiosas, em 1834, o convento perdeu os seus habitantes, tendo os seus valores religiosos e artísticos sido levados pelas populações das localidades vizinhas: Marialva, Carvalhal e Valflor. A imagem de Nossa Senhora dos Remédios foi então levada para Marialva, enquanto o Menino, “que passava o tempo a chorar pela Mãe”, tendo sido levado pelos de Valflor, foi dali “recuperado” por uns tantos marialvenses enquanto outros distraiam os locais com um espetáculo que lhes ofereciam. Tendo sido muito bem escondido, só alguns anos depois o Menino apareceu em Marialva, ao lado de Sua Mãe, na capela da Senhora dos Remédios, onde atualmente se encontra.
Marialva está atualmente a ser recuperada, dentro e fora das suas muralhas, tudo indicando que esta é a hora da sua “descoberta”. A parte acastelada tem sido beneficiada com a sua iluminação, proporcionando uma visão agradável a quem lhe passa ao lado, pela Estrada Nacional 102 e pelo Itinerário Principal 2. À noite, dest’arte, não deslumbra menos do que de dia. Qualquer visitante fica maravilhado pela surpresa que colhe, quer com a história que ali se encontra a três dimensões, quer com o silêncio criado pela sequência dos séculos. É uma das doze localidades integradas no “Programa das Aldeias Históricas de Portugal” e bem o merece.

Bibliografia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Marialva_(M%C3%AAda)
https://www.heraldry-wiki.com/heraldrywiki/wiki/Marialva
RODRIGUES, A. Vasco; Terras de Meda – Natureza, Cultura e Património; Edição Câmara Municipal de Meda; 2ª Edição; 2002.
SARAIVA, Jorge António de Lima; O Concelho de Meda, 1838-1999; Edição Câmara Municipal de Meda; 1999.